Verdade seja dita
Ninguém “caiu” de repente para a direita. O que estamos a ver não é uma conversão ideológica — é um grito de exaustão. Um reflexo lógico de décadas sem serviço nacional, sem consequência para a corrupção e sem voz para quem ainda sente o país a desmoronar por dentro.
O crescimento do eleitorado do CHEGA não nasce do amor a Ventura. Nasce do vazio à volta. Da sensação crua de que tudo o resto já falhou. Quando o sistema inteiro gira em torno da sobrevivência partidária e da encenação parlamentar, o desespero torna-se racional. E quando as opções se esgotam, qualquer ruído parece alternativa.
Mas o ruído não resolve. Amplifica.
Estamos num ponto de saturação simbólica onde já ninguém acredita em promessas — mas toda a gente está pronta para explodir. E a explosão, como sempre, não se dá no parlamento. Dá-se na rua, nas urnas, no silêncio da abstenção ou no grito do voto de protesto. E não é Portugal que está sozinho nesta dança. A América deu-nos o trailer. Portugal está a viver o filme.
Durante anos, a imprensa deveria ter servido como contrapeso ao poder. Como lupa, como denúncia, como escuta pública. Mas o jornalismo português transformou-se num sistema de replicação segura. Trocou o repórter pelo apresentador, o pensamento pela pauta, a análise pelo teleponto. Hoje, o jornalista ideal é plástico, rápido e treinado para não incomodar.
E assim como a política perdeu espinha, a comunicação perdeu nervo. E o povo perdeu paciência.
A verdade foi abafada por chavões. A indignação foi substituída por trending topics. E quando alguém ousa gritar fora do guião — seja ele político, clínico ou social — é imediatamente rotulado, descartado ou empurrado para a caricatura de “extremo”. Mas o extremo, neste caso, é a ausência de alternativa.
A falência não é de ideias — é de coragem.
Em Portugal, o problema já não é a ideologia. É a ausência de consequência. Um político pode mentir, falhar, omitir, desaparecer. Nada lhe acontece. E se cair, é premiado com um lugar noutro gabinete, uma consultoria de luxo ou uma carreira de comentador. A impunidade virou norma. E quando errar não custa, errar torna-se método.
Os partidos não servem o país — protegem-se a si mesmos. Recusam-se a ouvir o adversário, mesmo quando ele tem razão. E se alguém propõe algo útil, a resposta é tribal: “vem do outro lado, por isso não pode valer.”
Neste ambiente, Ventura aparece não como solução — mas como aviso. Um aviso de que a república está surda. E quando a república se recusa a escutar, o povo grita. Mesmo que o grito seja feio.
O que devia abrir os olhos vai, outra vez, ser invalidado.
Os resultados das últimas eleições deviam ter sido um choque de realidade. Mas não foram. E as próximas? Serão ainda mais ruidosas — mas ainda assim tratadas como “anomalia”, “perigo” ou “radicalização”. Os que se dizem defensores da democracia continuarão a tentar calar o que não compreendem. E ao fazê-lo, vão reforçar o ciclo.
A resposta do sistema será previsível: aumentar o ruído, criar mais escândalos mediáticos, tentar censurar, anular, envergonhar. Mas ninguém envergonha um povo que já perdeu a esperança. Ninguém cala quem já não tem nada a perder.
E é por isso que o perigo real não é Ventura. É a cegueira de quem ainda acha que ele surgiu do nada.
Se queres entender o teu país, desliga a TV.
Vai à rua. Olha à volta. Escuta quem não fala como tu. Quem não lê os teus jornais. Quem já desistiu da cultura, da política, da esperança. E depois… vota. Mas vota com o coração, sim — com a cabeça também. Mas sobretudo, com a alma.